O Pai de que ninguém fala no 'Dia do Pai'

Hoje é Dia do Pai. Por norma é um dia feliz, passado em família. É também, por excelência, um dia para partilhar fotografias dos progenitores masculinos nas redes sociais para colher uns likes fáceis. Há pais para todos os gostos, neste catálogo digital: uns mais altos, outros mais baixos; uns 'fit', outros com barriguinha; uns guedelhudos, outros com uma careca sexy. Casados ou solteirões, remediados, ou 'sugar daddies'... Aproveitem, babes, hoje poderão lavar a vista com algumas carnes maturadas. Epá, que disparate que para aqui vai.

Curiosamente, nesta data, nunca ninguém se lembra do "Pai Natal". De forma ingrata, muitos só se lembram dele na altura do Natal e porque desejam obter presentes. Afinal de contas, ele também é pai. Pai de quem? Ninguém sabe. Será pai da Rena Rodolfo? Ui, isso seria escandaloso, mas não se sabe ao certo - o que se passa no estábulo do Pai Natal, fica no estábulo do Pai Natal. Como devem calcular, por vezes, naquelas noites frias da Lapónia, em que o Pai Natal mais sente a falta de... Bom, vamos parar por aqui antes que o trenó se despiste. Posto isto, para quebrar o enguiço, desejo a todos (incluindo ao Pai Natal) um feliz dia do Pai. É caso para dizer: ho ho ho! 🎅


imagem que retirei, ao calhas, do Google

Desgraça Moderna - análise de uma pandemia gerida ‘à portuguesa’

“Bamolabere”, vou tentar não me esticar porque o vosso stock de atenção não é grande. Quase um mês depois, caiu-me a ficha... Como é que eu e os demais portugueses receberam esta ‘inocente’ mensagem SMS*, logo após o Natal?


Tudo bem que a vacina é uma luz ao fundo do frasco, mas cedo percebi que todo o processo de picar as pessoas duas vezes no braço seria muito moroso. Para além disso, eu, indivíduo saudável de 26 anos, seria dos últimos a receber esta substância milagrosa. Foram administradas 200 mil doses em Portugal, são precisas duas por pessoa e nós somos cerca de 11 milhões. Não sou bom a matemática, mas se ‘Pfizer’ as contas, percebo que ainda só estamos na ponta da agulha.

 

Não era preciso ser um perito para perceber que o Natal ia deixar um gosto amargo no paladar (ou então nem íamos ter paladar por causa da Covid). Trocaram-se compotas no quintal, reuniram-se à mesa os comensais e tentámo-nos abstrair da realidade ‘covídica’, nem que fosse por uma consoada na companhia do Pai Natal. Pena que, pouco depois, tenhamos perdido o controlo do trenó. No dia 26 de Dezembro, os portugueses recebiam a mensagem que está em anexo. Wow, fantástico! O Plano de vacinação começa amanhã - estamos safos! Os media também não ajudaram na transmissão desta mensagem, cantando de galo e substituindo comummente a palavra ‘começa’ por ‘arranca’. Assim, acreditámos que o plano de vacinação ia arrancar cheio de pica no dia 27, como um Fiat Uno arranca de um piquete policial, deixando marcas no asfalto. O aviso termina com “aguarde contacto do SNS”. Este “aguarde contacto” dá mesmo a ideia de proximidade temporal, pena que no meu caso (e no de muitos portugueses), este contacto por parte do sistema Nacional de Saúde só deva acontecer lá para Setembro, com sorte. Pareceu-me que esta singela mensagem da Protecção Civil, não trouxe grande vantagem, sem ser a de o Governo dar um ar de sua graça, passando uma mensagem de competência e eficácia. Infelizmente, o dito SMS poderá ter contribuído para um efeito contrário, lesando o SNS. Relaxámos, fizemos um buffet de contactos familiares e, para sobremesa, visitámos aquela tia-avó em Unhais da Serra que nem gosta particularmente de ver pessoas. Dessa curta estadia em Unhais, trouxemos queijo da Serra e deixámos alguns casos de Covid por lá. No fundo, laureou-se a pevide quando se deveria ter ficado a aboborar no sofá.

 

Seguiu-se a passagem de ano, com pequenos focos de artifício festivo aqui e acolá. A fiscalização foi branda e a contaminação não abrandou. Com o regresso das actividades lectivas começámos a apanhar as canas. Muitos se insurgiram contra o fecho das escolas, argumentando que não seriam as aulas a aumentar os contágios entre a população mais jovem. Pois, só que ‘actividades lectivas’ não contemplam apenas as aulinhas. Para além das lições, temos intervalos, pausas para almoço e momentos de entrada/saída no recinto escolar. É aí que o bicho mexe. Claro que nas aulas todos os alunos estão quietinhos e com a máscara bem posta, mas chegando ali à hora de almoço… As máscaras escorregam dos rostos, há contrabando de gomas, trincas fortuitas em panikes, garrafas de plástico que fazem intercâmbio labial, bafos em cigarros sem dono e, acima de tudo, muitos beijos e afectos (típicos de um Marcelo Rebelo de Sousa em pré-pandemia). Sei do que falo porque já passei por isso. Bem, eu não propriamente porque era um cromo e ficava sempre à margem, mas era mais ou menos isso que a malta fixe fazia. Com a inconsciência típica e natural da juventude que vive o dia-a-dia com leveza e descontração, o coronavírus faz ali um trabalho de grupo jeitoso e cada aluno leva uma ‘carga de trabalhos’ para casa.

 

“Ai, coitados dos nossos alunos que ficarão privados de aprender”, exclamaram alguns, aquando do encerramento das escolas. Trata-se um argumento válido quando falamos das idades mais jovens, principalmente para as crianças aprendem a ler e a escrever. Todavia, se perguntarmos aos alunos do ensino básico ou secundário se preferem sumários na aula ou sumos no recreio, a maioria escolherá a segunda opção, especialmente se estivermos a falar de Coca-cola ou Fanta. Até mesmo um Ice-tea de marca branca do Lidl bate um sumário de Físico-química. Sejamos francos, a escola é importante para os jovens, mas mais pela questão social. E é fora das aulas que a socialização à séria (e consequente contágio) ocorre. Escola não é apenas sinónimo de aulas. Os meus pais são professores e, se lhes perguntarem, eles também vos dirão que o melhor da vida são as actividades extra-curriculares 😏

 

Atravessamos tempos difíceis e mais do que encontrar culpados, urge reduzir ao máximo os números de casos/óbitos provocados por este malfadado vírus. Depende de nós, mas também de quem nos comanda. Se deveríamos já ter confinado integralmente mais cedo? Sim. Se a nossa economia aguenta? Nem por isso. Se gostava de estar na situação dos decisores políticos? Não, mas se estivesse na linha da frente a tratar doentes num hospital em ruptura estaria furibundo como os nossos governantes. Poder-se-ia ter feito mais e com melhor planeamento? Sem dúvida, mas o povo português com a sua sacanice e chico-espertice crónicas não ajudou à ‘festa pandémica’. Resta-nos agradecer aos médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde, bombeiros e outros profissionais que estão a segurar isto tudo como podem. Espero que lhes dêem, no mínimo, um aumento salarial de 300 palmas.


Agora vou só dormir uma ‘AstraZeneca’ a ver se, quando acordar, isto melhorou. Resguardem-se e, já agora, votem. Se quiserem votar em branco, votem no Eduardo Nelson que sempre farão sorrir quem estiver a contar os votos.


* a mensagem que a Protecção Civil enviou a 26/12/2020


Lixívia nos esgotos – um caso positivo de estupidez

Sem nenhum proveito, vagueava pelo Facebook. Num scroll descomprometido, deparei-me com esta imagem de um aviso relacionado com o já-não-tão-novo coronavírus (ver anexo). Através de uma rápida leitura, percebi que não se tratava de um pedaço de informação factual, mas sim de um excelente exemplar de intrujice. E como é belo ver onde chega a inventividade destes conteúdos perniciosos. Examinarei este panfleto digital, em todo o seu esplendor de parvoeira. 

“Um funcionário da Endesa...”. Começamos bem. O agente da notícia é descrito de forma clara, quase tão clara como a nódoa que a lixívia deixa nos tecidos. Se há pessoa em quem eu confio mesmo é num funcionário anónimo da Endesa – mais do que nos meus pais e amigos chegados. Apraz-me questionar: o que faz este funcionário sem nome e sem artigos publicados em revistas científicas? Olhem, ele aconselha as pessoas a despejarem 1dl (100 ml, trocando por miúdos) pelo ralo das canalizações lá de casa. E não há aqui lugar a discriminação, tanto se deve verter lixívia pelo ralo da banheira, como pelo lava-louças ou pela sanita. Qualquer buraco serve! Bom, em seguida temos mais uma dose concentrada de ‘credibilidade’. Isto porque, o nosso amigo funcionário da Endesa, baseia a sua recomendação, numa informação veiculada pelas autoridades holandesas... Que ‘autoridades’ são estas? Autoridades de saúde? Autoridades de segurança? Autoridades políticas? Não sabemos. Mais uma vez somos a convidados a confiar em quem não quis desmascarar a sua identidade. E agora, mais do que nunca, é importante não tirarmos as máscaras. Segundo as descobertas levadas a cabo por ‘eles’ (e aqui vamos deduzir que este ‘eles’ se refere a um grupo de pessoas pertencentes às tais autoridades nos Países Baixos), parece que o covid-19 anda super-activo nos esgotos. Além disso, parece que as pessoas confinadas nos seus lares, estão a ser contaminadas através do uso doméstico de água. Fiquei convencido com esta tese. Se eu fosse um vírus contagioso e relativamente letal, o lugar onde mais gostaria de estar era num esgoto holandês, organizando pool parties em águas residuais, repletas de dejectos – que sonho! Ah, e não sei se repararam, mas há aqui outro dado suspeito: O que é a Endesa (empresa espanhola que actua na distribuição de gás natural e energia eléctrica) tem a ver com a alegada propagação do SARS-CoV-2 em esgotos holandeses? Se supostamente as pessoas têm apanhado covid em casa (utilizando a água do chuveiro e torneiras), por que raio é que se recomenda pôr lixívia nas zonas de escoamento dessa mesma água em vez de resolvermos o problema na origem? Não era melhor ferver a água da torneira com um toque de lixívia e beber esse ‘cházinho’ para não nos contaminarmos? Perguntas que ficam a multiplicar-se por aí.

 

O texto termina com o típico apelo à disseminação da referida mensagem. Neste parâmetro, poderemos ficar descansados. Este tipo de notícias enganosas, propala-se de forma ainda mais rápida no Facebook do que o coronavírus entre nós. Em jeito de nota de final, acrescenta-se ainda que, não tem de ser só lixívia. “Todos os desinfectantes fortes e corrosivos, podem desempenhar o mesmo papel (...)”. Os ambientalistas irão adorar. E quem trabalha nas estações de tratamento de águas residuais também. Já para não falar que deitar 10 dl de desinfectante aqui, 10 dl acolá, num instante fico sem lixívia em casa. Proteger-me a mim e aos outros do covid-19 é importante, mas só alinho nisto se não tiver de gastar fortunas em soluções aquosas à base de hipoclorito de sódio.

 

Para tapar o ralo de fundo desta análise, eu sugeria ao autor desta aldrabice que espalhasse lixívia nas suas roupas, para ver o que aconteceria. Ou então poderia mesmo ingeri-la, como sugeriu Donald Trump. Dessa forma, não só garantia que não apanhava covid como teríamos menos uma pessoa a ludibriar idosos incautos no Facebook. Protejam-se do covid e deste tipo de fake news. Abraços branqueadores.




'Covid-Free' Family Celebration Fest 20'

Hoje completam-se duas semanas de isolamento em que eu e os meus familiares mais próximos despistámos não ter coronavírus. Para tal, e não sendo uma ideia totalmente inovadora, fiz um paralelismo entre os 'line-ups' de festivais de verão e aquilo que têm sido os nossos dias cá por casa.

30 de Março é, para nós, um dia que baptizamos de:
""COVID FREE FAMILY CELEBRATION FEST""
Aqui ficam com o programa deste evento singular:

9h30 – PALCO QUARTO
Acordar ft. despertador (solo act)
9h40 – CORREDOR
Abraço de grupo ft. 'Pijammas Colective'
9h45 - ZONA DE ALIMENTAÇÃO (Cozinha)
Pequeno-almoço estilo família feliz como no anúncio do Mokambo ft. 'Toasts and Bread - Jam Session'
10h30 – TENDA DIGITAL (powered by Telemóvel)
Correspondência, via whatsapp, com familiares distantes (live from estrangeiro) ft. banda larga móvel
11h30 - SALA SECUNDÁRIA
Rever álbuns fotográficos antigos ft. 'Nostalgia Tribute'
13h - SALA PRINCIPAL
Telejornal da tarde ft. 'Bad News cover band'
14h – ZONA DE ALIMENTAÇÃO (Cozinha)
- Almoço com Mãe a organizar workshop de culinária
- Digestivo no final da refeição ft. bagaço oferecido pelo Sr. Luís
15h30 – CORREDOR
Pós-almoço Dj set com Pai a passar música dos anos 80 (Youtube mix)
16h15 - SALA SECUNDÁRIA
Jogo de Trivial Pursuit (cultura geral challenge)
17h45 – RUA OPEN-SPACE
Afonso passeia cadela ft. trela extensível (live experience)
18h – PÁTIO LOUNGE
Sessão colectiva de exercício físico ft. transpiração
19h - ÁREA WC (Sanitários)
Banhos ft. champô e gel de banho (foam party)
19h45 - SALA PRINCIPAL
Pré-jantar Dj set com Manos a passar música (Spotify mix)
Danças tradicionais dos Pais ft. 'Coordenation Zero'
20h30 - ZONA DE ALIMENTAÇÃO (Cozinha)
Jantar de restos ft. ovos mexidos
21h30 - SALA (Mainstage)
Visionamento de filme ft. 'TVCine Channel Crew'
/ ou /
21h30 - TENDA DIGITAL (powered by PC Portátil)
Visionamento de série ft. 'Netflix & Netlenta' (dueto)
23h30 – ÁREA WC (Sanitários)
Chichi cama ft. escovar os dentes
23h45 – PALCO QUARTO
- Ler um livro ft. 'The Beside Lamp'
- Só acabar de ler o capítulo ft. 'The Bedside Lamp' (encore)
00h15 - PALCO QUARTO
Dormir ft. 'Travesseiro Travesso'
Bom, amanhã haverá mais (do mesmo).

E TU, TAMBÉM VAIS FICAR (em casa)?

:: Abertura de portas às... Ehhh, as portas não abrem ::

7 Maravilhas doces de Portugal – análise pós-evento em ressaca de açúcar

“Portugal é um país de lambareiros, somos gulosos e procuramos as melhores iguarias”, dizia um chef que falava a alturas tantas no programa. Açúcar, ovos, farinha, amêndoa, manteiga e pouco mais basta para nos fazer felizes. E roliços. A final das ‘7 Maravilhas doces de Portugal’ decorreu no sábado dia 7 de Setembro, mas só estou a fazer este texto de reacção aos resultados agora porque não tive tempo antes. Este evento foi mais do que um simples concurso de sobremesas, foi uma verdadeira festa da doçaria Nacional. Descubram porquê.

Para vos contextualizar acerca desta importantíssima temática, as ‘7 Maravilhas doces de Portugal’ foi uma iniciativa apresentada pela ‘7 Maravilhas®’ e pela RTP que, durante este ano de 2019 procurou eleger as 7 melhores iguarias da doçaria nacional, vulgo ‘gordices’ típicas portuguesas. Até aqui tudo bem. E qual o método rigoroso e imparcial usado para esta aferição, perguntais vós? Uma investigação científica levada a cabo por cientistas e engenheiros alimentares que analisasse, em pormenor, a composição química de cada um dos doces concorrentes? Um painel qualificado de jurados que juntasse chefs de cozinha, representantes do sector do turismo/restauração e nutricionistas para avaliar, entre outros parâmetros, o sabor, o aroma e o aprimoramento estético de cada iguaria? Não, nada disso – a escolha das 7 Maravilhas Doces de Portugal seria decidida apenas e só através de voto telefónico. Sim, leram bem. O doce que registasse o maior número de chamadas, seria eleito. Estavam assim reunidos os ingredientes perfeitos para uma péssima receita. 

Desde Julho do presente ano que se realizaram programas ‘interessantíssimos’, por todo o País, a fim de descobrir qual o doce finalista de cada distrito. O adjectivo ‘interessante’ (no grau superlativo absoluto sintético) é o que melhor ilustra este tipo de programa em directo, de longa duração onde, para além de uma mostra regional de gastronomia, tínhamos momentos musicais e pessoas a falar. Após 20 programas distritais (incluindo Madeira e Açores) de onde saíram pré-finalistas de cada região, decorreram duas semi-finais em Arcos de Valdevez e Ferreira do Zêzere, para escolher os 14 finalistas que iram lutar por um lugar de glória neste Olimpo açucarado.

Chegou, enfim, o dia das decisões. Foram mais de 900 candidaturas, 140 doces escolhidos, programas por todo o País e tudo começou a 7 de Maio. Volvidos quatro meses, e de forma simbólica, as ‘7 Maravilhas doces de Portugal’ seriam anunciadas no dia 7 de Setembro em Montemor-o-Velho. Não poderia existir um programa que melhor espelhasse a portugalidade em todo o seu expoente. Uma mega-emissão de manhã à noite que fez companhia aos poucos idosos que ainda vêem TV no nosso país e a um jovem adulto que preferiu ficar colado no sofá com um bloco de notas em vez de aproveitar um sábado soalheiro de Verão. Com uma grande equipa de apresentadores que se iam revezando ao longo do dia, viu-se um pouco de tudo. Falou o presidente da Câmara algumas vezes, intervieram vereadores e outros representantes municipais, actuaram bandas filarmónicas, grupos musicais peritos em play-back e houve espaço para reportagens, embutidas ao longo da emissão, que mostravam todos os cantos dessa enorme metrópole que é Montemor-o-Velho... 

Não arrisco dizer que foi um dia cheio de animação, mas ao menos tentou-se. Com a montra de doces a servir de pano de fundo, viu-se um grupo de mulheres de Arouca vestidas de freira a dançar ao som de uma cover da música ‘Vira-vira’ dos Mamonas Assassinas e este é o modesto substrato cómico que consegui provar.  À noite, a gala começou com bailados, grupos de miúdos cantores do programa ‘La Banda’, entre outras apresentações... Foi um programa de momentos inesquecíveis, tão inesquecíveis que já nem me recordo. Aproveito para referir que esta Gala Final foi apresentada por José Malato e Catarina Furtado. A meio da emissão, Catarina fez um apelo ao povo, pedindo ajuda para casar José Malato e propondo um brinde ao seu futuro casamento... Do que deu para perceber, a brincadeira não caiu bem e Malato ficou mais encavacado que uma Cavaca de Resende (que foi um dos doces pré-finalistas). Porque, apesar de José Malato ter muitas pretendentes para o casamento, suspeito que iria preferir, quase de certeza, uns Bons Maridos de Ferreira do Zêzere.

Achei particularmente curioso que esta grande gala, que deveria ser um evento de glamour e solenidade, acabou por tomar contornos de um acontecimento popular onde se misturava o doce e o amargo, o campo e a cidade, o guião e o improviso, a seriedade e a palhaçada. Se no palco tínhamos artistas famosos e caras conhecidas da Televisão, na numerosa plateia víamos uma grande misturada de gentes. Pessoas mais mediáticas nas primeiras filas, indivíduos naturais do Baixo Mondego aqui e ali e um bloco central compacto composto por 14 claques, responsáveis por um pagode indiscritível. Recorrendo a uma só frase, esta gala ao ar-livre combinava a encenação televisiva de uma final do ‘The Voice’ com o ambiente de um estádio de futebol em dia de Clássico.

Eu explico. Cada doce trazia uma claque, umas mais carismáticas que outras (destaco pela energia a dos Ovos Moles de Aveiro e pela falta de alento a do Porquinho Doce de Beja). A barulheira justificava-se ainda mais porque cada claque tinha um hino (ou um grito) para promover o respectivo doce. Bem, mas sobre isso nem vou comentar porque escutar essas performances musicais apenas me deu um amargo de boca, ou melhor, de ouvido. Os apresentadores iam interagindo com as claques e pediam que estas mostrassem os seus hinos e coreografias. José Malato lá tentava divertir-se com os gritos tenebrosos destas equipas doceiras. Contudo, por mais que o mediático rosto da RTP abanasse as ancas ao som daquelas cantorias, não conseguia afastar um notório confrangimento em ali estar.

Em praticamente todos os grupos, assistia-se a uma mescla de vozes desafinadas e assíncronas. Tambores, bombos, apitos, sirenes, cornetas e até colunas bluetooth com música – valia tudo para chamar à atenção dos outros espectadores e dos votantes lá em casa. Fiquei embevecido com o mar de cartazes que ostentavam números de telefone, era como que uma mega-tigelada de algarismos esperançosos. Lutava-se por um doce, uma tradição, uma localidade, uma região. Só os mais votados venceriam e fosse pelos gritos, fosse pelos vistosos elementos gráficos que cada claque trazia, aquela gala seria decisiva. Uns ganhariam e outros perderiam, mas todos sairiam desta experiência das 7 Maravilhas de barriga cheia. Calma, não foi bem assim... Infelizmente a plebe que foi assistir ao vivo nem teve direito a uma simples degustação das outras iguarias em concurso. Um programa do povo e para o povo, mas se o povo desejar provar estes doces que vá à pastelaria comprar e se quiser que gaste 0,60€ + IVA a votar na iguaria da sua região. Fazer pouco dos portugueses não é maravilhoso.

Concorde ou não, houve, de facto, sete vencedores e o troféu que os esperava era um fantástico... Bom, o troféu era um prato. Tratava-se de um prato elegante e estilizado, todavia, estava à espera de melhor. Por um lado até me ri com o assunto. Quem quer que tenha tido a ideia de utilizar um prato a servir de troféu em tão nobre competição tem, claramente, sentido de humor. À semelhança de João Manuel Esteves, presidente da Câmara municipal de Arcos de Valdevez que, aquando de ter recebido o prato vencedor, relevou ser bastante engraçado. Aliás, no universo dos autarcas nacionais, ele é um prato. E porque ainda não falei propriamente de doces, presenteio-vos com uma análise de cada um dos doces galardoados, pondo tudo em pratos limpos. Não tive a oportunidade de provar todos os doces vencedores, mas arrisco analisá-los, porque quem arrisca (também) não petisca, na verdade.

Análise individual dos doces vencedores:
1. Charutos dos Arcos
São uma versão mais beata dos Pastéis de Tentúgal, com uma espécie de hóstia a enrolar os fios de ovos. Esta nomeação foi um orgulho, não só para os arcoenses, mas para todos os que visitam esta localidade minhota de Valdevez em quando. Os charutos dos Arcos, segundo a sua tradição, devem ser sempre feitos por mãos femininas. Eu pergunto onde está a igualdade de género? Onde estão as oportunidades para os homens confeiteiros que queiram aprender a fazer este doce? Onde estão as bocas javardas e sexistas, do tipo “o que elas querem é passar o dia inteiro com a mão agarrada ao charuto”? Perguntas que ficam sem resposta.

2. Roscas de Monção
Aqueles que acham que as Roscas de Monção são bebedeiras à moda do Minho, desenganem-se. As roscas de que vos falo são uma espécie de biscoitos secos, banhados com uma calda de açúcar. Ainda assim acho que falta qualquer coisa a esta iguaria para falarmos de uma maravilha doce... Na reportagem da RTP, a apresentadora perguntava à confeiteira, D. Alice, por onde se começava a receita destas roscas. A senhora idosa prontamente respondia: “começa-se por os ovos”. Ah, já sei o que falta. Falta a aglutinação da preposição antiga per e do artigo ou pronome lo, na forma plural. Podem ser um bom presente para as nossas pupilas gustativas, mas estas roscas também têm bastantes buracos gramaticais, “por os” vistos...

3. Folar de Olhão
Temos uma verdadeira lambarice algarvia. Este folar distingue-se pela forte presença de açúcar e manteiga, em múltiplas camadas. É um doce feito em grande escala, com processos algo industrializados, mas mantém a tradição de outros tempos. Não tenho nada a apontar, a não ser o aspecto. De sabor acredito que seja óptimo, mas à primeira vista, este doce bronzeado parece uma pilha de panquecas amarrotadas, cobertas de melaço. Se me dissessem que o folar tinha sido transportado num Tupperware desde Olhão até Montemor-o-Velho e que apanhara muito calor na viagem – eu comeria essa informação. E o dito folar também.

4. Crista de Galo
Chegou de crista levantada, viu, venceu e agora canta de galo. Um doce que classifico como ‘engraçadito’. Já tive a oportunidade de provar estas cristas e achei-as boas. Mais tarde, assisti ao programa que dá assunto a este texto e fiquei a saber que esta receita é rica em banha. Sinto que me venderam a banha da cobra, ou melhor, banha de porco. Tenho um trauma alimentar antigo com banha de porco e tão cedo não volto a ingerir este doce transmontano. Dou os meus parabéns e tudo mais, mas adivinho que se mais gente soubesse que este doce tem muita gordura animal na sua composição, a Crista de Galo não gozaria de tanta popularidade. Agora é tempo para cacarejar de alegria, mas parece-me que dentro em breve o galo vai amansar.

5. Mel Biológico do Parque Natural de Montesinho DOP
Aqui fiquei sem palavras. Tudo bem, eu gosto de mel e acho, até, que é um super alimento. Agora, como é que o mel pôde, sequer, figurar no lote de doces nomeados nesta competição? Mel não é, em si, um produto da criação humana. O Homem pode ser um elemento-chave no processo de produção do mesmo, mas não se trata de nenhuma invenção da doçaria portuguesa – há mel em vários locais do mundo. 
E desde quando é que aquele mel é mais que os outros méis do nosso querido Portugal? Ah, talvez seja pelo facto de este mel ter a Denominação de Origem Protegida. Ui, cuidado com ele! Essa designação servirá de pouco, pois se a vespa asiática chegar em força não haverá mel que resista. A chef Justa Nobre comentava neste programa final das 7 Maravilhas Doces que o mel é algo que se come sem pecado. Discordo. Primeiramente porque os monossacarídeos (glicose e frutose) estão lá na mesma e não é a comer mel que alguém fica uma silhueta pecaminosa. E em segundo lugar porque o pecado foi consumado e a consagração deste produto regional não me pareceu nada Justa.

6. Bolinhol de Vizela
Belo espécime de doçaria portuguesa. Peguem num pão-de-ló levemente humedecido, juntem uma doce cobertura de açúcar a toda a volta – et volià. À semelhança do que acontece em outros casos, o bolinhol tem uma receita secular. Joaquina Ferreira da Silva passou a receita a Albina Ferreira da Silva que a passou a Maria da Conceição da Silva Ferreira que a passou aos seus descendentes que finalmente a passaram a computador, antes que o testemunho se perdesse. Directamente de Caldas de Vizela, chega um pão-de-ló fofo banhado com caldas de açúcar. Já deu para perceber que concordei com a nomeação deste bolo rectangular, cozido lentamente em forno de lenha. A mão do pasteleiro é a unidade de medida e as quantidades são medidas a olho. São estas mãos de Vizela, as mãos que prestam e as mãos que dão a conhecer este bolo mole ao Mundo. O bolinhol é um doce ao qual gostaria de deitar as mãos, confesso. Não sendo possível fazê-lo neste momento, pego nas minhas mãos e aplaudo este produto endógeno do distrito de Braga.

7. Amêndoa Coberta de Moncorvo IGP
Olha outro com denominações pomposas... Indicação Geográfica Protegida. Protegida por quem? Pelos agentes da GNR de Torre de Moncorvo? Não me parece. Eu também tenho zonas no meu corpo que são de indicação geográfica protegida e não ando a anunciar isso aos quatro ventos. Desta região fria chega uma amêndoa de qualidade que é coberta com açúcar. Um processo lento levado a cabo pelas ‘cobrideiras’ que, em recipientes aquecidos de cobre, criam estas amêndoas cobertas de relevo distinto. O segredo poderia estar na massa, mas como não há massa nesta receita, o segredo está nos dedais usados pelas confeiteiras, que dão este aspecto singular às amêndoas cobertas de Moncorvo. Ainda assim, apenas considero este doce ‘ok’. Se não fosse a qualidade do furto seco transmontano, seriam só mais umas amêndoas cobertas. É a minha opinião e continuarei a explicitá-la, amêndoa a quem ‘amêndoer’.

Conforme descrevi acima, não fiquei contente com este rol de vencedores. Não há representatividade geográfica. Existe um convívio das regiões de Trás-os-montes e Alto-Minho, com um intruso do Algarve. Os resultados finais não espelham a riqueza doceira do nosso país, de todo. É escandaloso que os Ovos Moles de Aveiro não façam parte desta lista final, assim como as Brisas do Lis. Lamento especialmente pelo Pastel de Tentúgal (superior aos charutos dos Arcos), mas se houver culpados, somos nós, habitantes do distrito de Coimbra que não nos mobilizámos para votar. Eu não votei porque estava atento a escrutinar o programa, tenho desculpa. Não obstante tudo isto, o facto de a votação ter um custo não contribuiu para um resultado democrático. Cheira-me que houve ali municípios a comprar votos... Coff, coff. Ou então cheira só a fumo... De charutos, talvez. 

Do meu ponto de vista, deveriam ser eleitas 20 maravilhas a nível nacional, uma por distrito. Vejamos, Portugal é um país de doces, e ao escolher apenas 7 Maravilhas, há muitas iguarias que ficam de fora... Já para não falar há que há uns anos foram organizadas as ‘7 Maravilhas Gastronómicas de Portugal’ e delas consta o Pastel de Belém. Em que ficamos? Caríssimo Luís Segadães, sugiro que reveja os critérios destas iniciativas.


Foi uma barrigada de doces, uma barrigada de texto e umas quantas barrigas de Freira que saíram de Montemor-o-Velho de estômago vazio. Acabou tudo com fogo-de-artifício que é sempre a melhor maneira de pôr fim a um evento. E se há coisa que os portugueses gostam é de coisas que rebentem. Desde que não seja a escala de medição da diabetes a rebentar por ingestão excessiva de doces conventuais, claro.




Resumo da Final da Liga Europa 18/19

Para quem não viu a final londrina da Liga Europa, fica aqui um resumo:

A partida começou aborrecida e a primeira parte terminou Azeri. No segundo tempo o jogo ficou mais Giroud, com o avançado francês a inaugurar o marcador. O segundo golo não tardou a aparecer, por intermédio de Pedro Rodriguez Ledesma. A defesa do Arsenal foi lenta a reagir, parecia mesmo uma Ledesma. Não há duas sem três e o terceiro golo resultou de um penalti, após má abordagem do jogador do Arsenal na grande área. Maitland-Niles tentou cortar a bola, mas teve Hazard. Poucos minutos volvidos e o Arsenal reduziu com um grande golo. Estava distraído no momento desse lance e nem Iwobi em condições. Em seguida, Hazard bisou e fez Čech-mate nesta final da UEFA. Ainda houve lances de perigo para o Arsenal, mas infelizmente os erros cometidos foram demasiados e não deu para rebobinar Lacazette deste jogo. O treinador da equipa de Stamdford Bridge sorriu no apito final e mostrou a sua cremalheira. Dava para ver o Sarri que tinha nos dentes.
Foi uma final interessante com o Chelsea a aproveitar da melhor forma as 'Bakuradas' da equipa adversária. Os Gunners ainda lutaram, contudo, demonstraram não ter arsenal suficiente para enfrentar o Chelsea, que deu baile, ao som de Blues. Obrigado a quem leu. Um grande abraço e um Azerbaijão.

Este comboio não pára em Arroios

Nos últimos anos, tenho ido ocasionalmente a Lisboa. Sempre que lá vou, devido à complexidade desta ‘metrópole’, procuro algo que me oriente, a partir de Oriente. Costuma ser esta a minha estação de partida para usar o Metro. Até hoje não tinha nenhuma razão de queixa, tudo correra sobre rodas, bem encarrilado. Até cheguei a completar percursos que implicavam duas trocas de linha em menos de 15 minutos – um serviço ferroviário de grande nível (pensava eu).

Lisboa só poderia ser mesmo a capital deste país de atrasos, que é Portugal. Em Outubro de 2017, já se ouvia na composição: “este comboio não pára em Arroios”. Hoje, acho que ‘este’ e os outros comboios da linha verde, ainda não fazem a outrora habitual pausa neste mirífico destino. Como nunca tinha utilizado muitas vezes o Metro e sendo eu da província (tudo o que não seja Lisboa ou Porto), até achava que o Metro de Lisboa proporcionava um agradável serviço ferroviário. Meus amigos de Lisboa não entendiam como poderia eu gostar de andar de Metro e de até gabar este meio de transporte que, para eles, era sinónimo de constantes peripécias desagradáveis. Para a maioria dos lisboetas, o Metro está pelas estações da amargura e só existem razões de queixa.
— Ah, o pessoal dramatiza a situação actual do Metro porque, no fundo, só gostam de andar de carro próprio – pensava eu, a caminho do Metro.
Pois, saltei para a outra plataforma da opinião pública quando fiquei 57 minutos dentro de um comboio, preso algures na linha verde. Mais precisamente onde? Arroios. Se a vida corre como um rio, os regatos que deram nome a esta zona da capital, simplesmente não correm. Após esta indesejada espera, lá tive eu de correr para outros compromissos.

É certo que a minha prática de andar de metro é reduzida, todavia já consigo perceber algumas coisas que caracterizam esta faceta subterrânea da cidade de Lisboa e, também, do nosso país. Gosto de afirmar que ‘Lisboa é um buffet de pessoas’, pois se vê por lá todo o tipo de gentes. A alusão ao buffet deve-se mais à diversidade étnica e racial dos transeuntes, não é que queira andar aí comer pessoas... Não sei, talvez por ser natural de um sítio onde predominam quase exclusivamente seres caucasianos, vejo algum encanto em comtemplar os utentes deste metro cosmopolita. Uma vez, num daqueles conjuntos de 4 assentos, sentados estavam: uma senhora africana de meia idade; um turista branquelas algures do norte da Europa; uma jovem asiática e um senhor de origem indo-paquistanesa (para não utilizar o termo pejorativo ‘monhé’. Bem, parece que o usei. A sério que foi sem querer, acreditem). Bom, este quadro humano de olhares no vazio, alheios ao cacharolete racial que ali se compunha de forma tão espontânea e casual, mais parecia um daqueles anúncios da United Colors of Benetton. Quis tirar uma foto, mas não foi tarefa fácil. Sempre que tentava, discretamente, apontar a câmara do telemóvel para esta reunião informal de culturas, uma senhora idosa caucasiana, lançava-me olhares reprovadores. Qual seria o seu problema? Será que estava melindrada por não aparecer na foto? Tenho que admitir que não iria fazer grande coisa com aquela fotografia meio desfocada e com fraca iluminação. Certo é que essa senhora não tinha nenhuma razão para implicar comigo já que o assento ao seu lado estava ocupado por sacos da sua pertença. Quando ela olhava para mim, eu olhava ainda mais para ela e cheguei mesmo a pigarrear, tentando chamá-la à razão. Ela não entendeu a dica. Após uma paragem, entra outra senhora com outros tantos sacos e encaminha-se logo para a nossa zona, que era das poucas onde se avistavam lugares. As duas senhoras com sacos cruzaram olhares e eu entrecruzei-os para ver no que aquilo dava. Alguém tinha de ceder. E assim foi, de forma pacífica. Os sacos de ambas seguiram o resto da viagem no chão para que a recém-chegada senhora pudesse sentar o seu traseiro até ao próximo apeadeiro.

Sai-se um comboio, entra-se noutro e as histórias multiplicam-se como as mãos que se tentam segurar em varão firme. Desde o senhor que toca acordeão com um cachorro amestrado no ombro, ao sujeito cego que insiste em mendigar no metro mesmo com o risco de cair para a linha, passando pelo ‘carocho’ velhaco que inicia uma conversa constrangedora com uma rapariga ‘queque’... Passa-se lá tanta coisa. No mesmo dia, seguia num metro bastante devoluto quando se senta mesmo à minha frente um sujeito de aspecto incomum. Poderia ser um sem-abrigo, mas não se apresentava assim tão andrajoso. Poderia ser um cidadão dito ‘normal’, mas já havia ali um certo grau de indigência. O que é que isto têm de especial? –perguntais vós – bom, não era tanto o sujeito em si que me chamou à atenção, mas mais o que ele fazia. Como poderão ver na ilustração associada a este texto, este senhor trazia ao colo um belo exemplar canino, vestido com um mini-sobretudo em padrão verde-tropa. Contudo, o momento chave foi quando este indivíduo, ao embalar o canídeo de estimação, tira um dos seus auriculares verde-alface e o coloca dentro do ouvido da cadela por breves segundos, perguntando-lhe baixinho:
— Curtes esta?
Tão rápido como entrou na composição, este homem guedelhudo de óculos-de-sol partiu para novas aventuras, deixando muito por responder. De onde viera aquele boné? Como se chamava a cadelinha? Que música seria aquela que ouviam? Só o Metro de Lisboa saberá.

Saí eu também. No corrupio da mudança de linha, pude reparar em algo curioso, enquanto atravessava a estação da Alameda a passo rápido. Apesar da pressa para apanhar outro metro, não consegui deixar de reparar num vistoso anúncio, onde se lia:
“1.5€ a pizza inteira”

Vamos por fatias. Isto até parecia um bom partido, mas quando me acerquei da montra percebi que as pizzas eram relativamente pequenas. Ora, o adjectivo ‘inteira’, neste caso, serve só para aldrabar, fazendo-nos querer que se trata de uma grande pizza e que a vamos poder comer na totalidade. Vai-se a ver e até acaba por ser uma mensagem sem grande nexo. Pensem comigo, quando compramos uma pizza, seja ela grande ou pequena, esperamos que ela venha inteira sem mordidelas na côdea ou uma fatia em falta, verdade? Enfim. Acrescento só que o nome do estabelecimento era ‘Sabores do Metro’, passo a publicidade. A meu ver, este é um nome infeliz. Não é viável descobrir o ‘sabor do metro’, na medida em que isso implicaria andar aí a lamber corrimãos ou a snifar os estofos dos assentos, tudo coisas que não quero fazer. Na impossibilidade de saber qual é o verdadeiro sabor do metro, o nome deste café remete-me para uma outra dimensão sensorial que eu conheço e associo a esta rede de transportes - o olfacto. O cheiro a 'falta de banho', o chulé no Verão e a intersecção de odores de axilas são alguns exemplos. Por isso, não me deixei seduzir nem pelo placard publicitário nem pelo nome do conceito. Ainda assim, fica um sabor, um gosto no ar. O gosto de ser inspirado pela vida e pela bizarria que o Metro de Lisboa nos tem para oferecer.



Amigos 'Web Summitas'

Todos nós temos aquele amigo que anda, há meses, num estado de total histeria em relação ao Web Summit, contando os dias para este grande evento. É a pessoa que nos dá as seguintes informações:
— “Aquilo é um mar de oportunidades, nem imaginas.”;
— “Vão estar presentes mais de mil oradores e keynote speakers.”;
— “Tens o futuro à tua frente com imensas startups a mostrar as mais recentes novidades tecnológicas.”
— “Acho que a robot Sophia vai dar uma palestra incrível!”
E todos nós temos esse mesmo amigo que faz um ‘hype’ enorme em relação a esta feira de tecnologia, mas acaba por por ter uma experiência diferente das suas expectativas. 
Primeiro, adormece e chega atrasado ao único dia para o qual tinha bilhete. Mal chega, tira uma foto no local, colocando-a logo de seguida no Instagram para informar todos os seus seguidores de que está na Web Summit. Perde mais tempo nos stands de activação de marcas e propagandas várias a tentar ganhar brindes do que a ver o que as novas startups têm para mostrar. Distribui 5 cartões a empreendedores aleatórios e aperta a mão a dois empresários tailandeses (e acha que está muito forte ao nível do 'networking'). Senta-se para assistir a uma comunicação qualquer e como não tem muito interesse na área do ‘digital farming’, passa mais tempo a olhar para o telemóvel. Faz scroll no Facebook e Instagram, verifica se houve mais gostos na sua recente fotografia desde há 2 minutos e ainda publica duas ‘stories’. Uma a apontar para o orador desconhecido com a vista do espaço e outra com o foco na perna cruzada e nos sapatos novos, adicionando à imagem o ‘sticker’ que nos dá a conhecer a sua localização actual. E é isso. No fundo apanhou bastante seca, tirou algumas chapas e andou totalmente perdido na maior parte do dia. Ainda assim, garante-nos que foi brutal.
E terá aprendido alguma coisa? Só a Sophia saberá, mas foi certamente uma experiência tecnologicamente interessante. Do ponto de vista do scroll no Instagram, sim, sem dúvida.

Excesso de Supermercados

Pessoal, não sei se sabem da nova, mas ontem foi a inauguração do segundo ALDI em Coimbra. Eu acampei à porta para estar na fila da frente. Não, mentira, só cheguei lá pelas 8h29, mesmo antes de se cortar a fita. Fui o primeiro cliente deste novo supermercado, aproveito para deixar aqui registado. É algo que um dia poderei contar a filhos e netos, uma façanha da qual muito poucos portugueses se podem orgulhar. Todavia, nem só de um supermercado vive a cidade… Certo?

Os dados estatísticos dizem que Coimbra tem perdido população nas últimas décadas e o envelhecimento dos que cá ficam é uma realidade. Temos perdido dinâmica e apesar de nascerem cada vez menos bebés, podemos ficar tranquilos - nascem supermercados, famílias deles até (o Mini-preço Family é um exemplo). Se a praga da 'Dica da Semana' já é difícil de conter, agora temos uma autêntica epidemia de lojas. Já não somos mais a 'cidade dos estudantes’, somos a cidade dos folhetos promocionais e a guerra dos códigos de barras está ao rubro. Preparem-se porque nós, cidadãos, vamos ser disputados por estas grandes superfícies como um pacote de lâminas de barbear Gillette naquele dia em que o Pingo-Doce põe 50% de desconto em todos os artigos.

A profusão de supermercados na nossa cidade chega a ser tão ridícula que num trajecto de aproximadamente 2km entre o Coimbra Shopping e a Escola Eugénio de Castro, encontramos, ao todo, 5 supermercados. Cinco! Dá, em média, uma paragem para compras a cada 400m. Desculpem, mas isto não é normal no contexto de cidade média em que vivemos.

Neste momento, em Coimbra (contando com Eiras, Taveiro e Santa-Clara) temos as seguintes lojas: 1 Jumbo; 2 Continentes grandes; 1 Continente mais pequeno (antigo Modelo); 1 Continente Bom-dia; 2 Lildls; 5 Pingos-Doces; 2 Minipreços; 1 Mini-preço ‘Family'; 1 Pão-de-Açúcar; 1 Intermarché; 1 Supercor e 2 Aldis. Este segundo Aldi perfaz uma vintena, já dá quase para formar uma equipa completa de futebol. Como é que isto é possível!? Há algo que não está bem aqui e eu brado aos céus:
- MAS ONDE ESTÁS TU, E.LECLERC? Estamos à tua espera para passarmos a ser oficialmente a “Capital Portuguesa do Supermercado”, só faltas mesmo tu.

Brincadeiras à parte, isto é preocupante, estamos a perder a nossa identidade urbana e estamos a arrumar o pequeno comércio tradicional na prateleira do esquecimento. Temos de travar deste flagelo!

Só antes de acabar, viram o folheto desta semana do Pingo-Doce? Tem lá umas promoções mesmo top, dêem uma olhadela. Ups, acabei de me contradizer… Quem se contradizia muito era a minha antiga vizinha de frente, a Dona ALDIna. Viram o que fiz aqui? Vá, já chega.

Passagem de Ano

Esta é uma festa estranha, na medida em que estamos todos convidados para a celebração e não existe propriamente um aniversariante. No fundo, festejamos a nossa insignificância existencial face à passagem natural do tempo. É cruel pensar nas coisas assim, mas se não podemos contrariar o avanço dos ponteiros do relógio, o melhor poderá ser mesmo criar uma noite de folia desenfreada. Então, este ano, ao contrário de outras ocasiões semelhantes, decidi não optar pela vertente da festa e assumi o papel de chauffeur e simultaneamente baby-sitter de pessoas alcoolizadas. À falta de ideias melhores, acabei por passar o ano na minha cidade natal, que, diga-se de passagem, não é o melhor local para estar no Réveillon. A sempre inovadora Câmara Municipal de Coimbra preparou um espectáculo de fazer inveja a outros municípios: Três pontos-chave da cidade, três praças suficientemente amplas, três palcos e três estilos de música diferentes para agradar a públicos diversos. WOW! Isto é inédito! Fascinante a ‘inventividade’ e o ‘arrojo’ destes autarcas - sempre acabam por não me surpreender.

Desde o local onde o carro ficou estacionado até ao ‘início da festa’ cruzámo-nos com dois típicos exemplares de foliões - aqueles que acham fixe partir garrafas no asfalto e aqueles que preferem bolçar no passeio com uma mão amiga a segurar-lhes a testa .Começámos o nosso périplo pelo palco mais generalista cuja playlist se assemelhava a um sunset low cost, só que nesta noite fria, ao invés de uma feliz multidão veraneante, tínhamos cerca de uma centena de pessoas dispersas, envergonhadas e afastadas do palco. Quem “comandava as tropas” era um sujeito vestido à marinheiro com uns óculos de sol e com pouco jeito para persuadir aglomerados de pessoas. Às tantas, dizia ele:

— Pessoal, agora quero ver toda a sentar-se e quando a música rebentar vamo-nos todos levantar ao mesmo tempo! (mais uma vez, algo nunca antes visto neste tipo de eventos).

Face à inércia de um público embriagado, ele acabou por se resignar e pedir que as pessoas só baixassem a cabeça, isto caso não se quisessem sentar num chão imundo e repleto de vidro estilhaçado. Que desfeita quase ninguém ter alinhado na brincadeira. O ser humano consegue ser tão picuinhas por vezes… Nisto avançámos para o segundo palco, o reduto da juventude, pejado de crianças e adolescentes rebeldes que aproveitavam para “soltar a franga” longe das amarras educativas dos pais. Uma ‘creche’ ao ar-livre onde os mais novos aprendem a ser crescidos irresponsáveis. No palco, uma dupla que contrastava no tom de pele dos seus intervenientes gritava qualquer coisa do género:

— Yo, somos malucos, yo, yo, e hoje eu vou ficar maluco! Maluco, maluco, maluco!

Estava tudo visto por aquelas bandas, faltava apenas visitar o último recinto musical, conhecido como o “palco dos cotas”. Sim, ao som de êxitos de artistas como Carlos Paião ou Bandalusa, grupos de cidadãos com mais de 40 anos de idade faziam um animado “comboínho” e vibravam loucamente com a performance de dois djs anónimos. Era como se não tivessem outra altura no ano para festejar e deitar tudo cá para fora. E talvez não tenham, às vezes esqueço-me que vida de trabalhador custa. Arrisco dizer que, por norma, o trabalhador diverte-se e o jovem abusa. Foi o que aconteceu a uma moça que se atirou em lingerie para a pequena fonte da Praça 8 de Maio, isto com uma temperatura atmosférica de 8ºC (eis a definição de primeiro banho do ano). Por esta altura, com tanto ‘idoso’ a balançar os quadris num revivalismo forçado, era eu que precisava de refrescar as ideias. Dando a noite por terminada seguimos para um outro destino, conhecido pelos seus bares e oferta de diversão nocturna. Permitam-me este aparte: como assim diversão noctura? Pagar um exorbitante preço de entrada, fumar passivamente durante três horas num espaço abafado, levar com bebida entornada na nossa melhor camisa e ouvir reggaeton a altos berros - hmm, nada disto me transporta para o conceito de ‘diversão’. Não me divirto eu, divertem-se outros, como foi o caso de uma senhora, nos seus cinquenta anos, estatelada à porta de um bar e sem dar sinais de vida. Não me quedei muito tempo a observar todo o aparato com Polícia e INEM presentes, até porque não quis parecer um repórter da CMTV. Deduzi que estivesse tudo bem, talvez tivesse sido simplesmente uma noite dura, dureza materializada pelas pedras da calçada. Chegados ao destino, constatámos que uma das praças mais emblemáticas da cidade estava completamente vazia. Aliás, o único sinal de animação vinha de um carro incorrectamente estacionado no empedrado que lançava hits de kizomba com a ajuda de um potente subwoofer instalado na bagageira. A noite estava mais que enterrada e a última pessoa conhecida que encontrei foi um colega que bebia gin puro directamente da garrafa.

Numa noite em que ainda caminhei uns bons quilómetros poderia queixar-me de algum cansaço físico, todavia pude olhar para a Passagem de Ano com novos olhos, limpos de preconceitos e de confetis. A transição entre um ano e o seguinte é isto, um misto de alegria, tristeza e um monte de coisas que nunca vou compreender. Talvez na próxima passagem de ano consiga ficar mais esclarecido em relação aos múltiplos fenómenos do Réveillon, do mesmo modo que o céu se aclara com a ajuda do fogo de artifício. O ideal será esperar um ano e não deitar os foguetes antes da festa. Até 2019 e pelo meio tenham um bom 2018!