7 Maravilhas doces de Portugal – análise pós-evento em ressaca de açúcar

“Portugal é um país de lambareiros, somos gulosos e procuramos as melhores iguarias”, dizia um chef que falava a alturas tantas no programa. Açúcar, ovos, farinha, amêndoa, manteiga e pouco mais basta para nos fazer felizes. E roliços. A final das ‘7 Maravilhas doces de Portugal’ decorreu no sábado dia 7 de Setembro, mas só estou a fazer este texto de reacção aos resultados agora porque não tive tempo antes. Este evento foi mais do que um simples concurso de sobremesas, foi uma verdadeira festa da doçaria Nacional. Descubram porquê.

Para vos contextualizar acerca desta importantíssima temática, as ‘7 Maravilhas doces de Portugal’ foi uma iniciativa apresentada pela ‘7 Maravilhas®’ e pela RTP que, durante este ano de 2019 procurou eleger as 7 melhores iguarias da doçaria nacional, vulgo ‘gordices’ típicas portuguesas. Até aqui tudo bem. E qual o método rigoroso e imparcial usado para esta aferição, perguntais vós? Uma investigação científica levada a cabo por cientistas e engenheiros alimentares que analisasse, em pormenor, a composição química de cada um dos doces concorrentes? Um painel qualificado de jurados que juntasse chefs de cozinha, representantes do sector do turismo/restauração e nutricionistas para avaliar, entre outros parâmetros, o sabor, o aroma e o aprimoramento estético de cada iguaria? Não, nada disso – a escolha das 7 Maravilhas Doces de Portugal seria decidida apenas e só através de voto telefónico. Sim, leram bem. O doce que registasse o maior número de chamadas, seria eleito. Estavam assim reunidos os ingredientes perfeitos para uma péssima receita. 

Desde Julho do presente ano que se realizaram programas ‘interessantíssimos’, por todo o País, a fim de descobrir qual o doce finalista de cada distrito. O adjectivo ‘interessante’ (no grau superlativo absoluto sintético) é o que melhor ilustra este tipo de programa em directo, de longa duração onde, para além de uma mostra regional de gastronomia, tínhamos momentos musicais e pessoas a falar. Após 20 programas distritais (incluindo Madeira e Açores) de onde saíram pré-finalistas de cada região, decorreram duas semi-finais em Arcos de Valdevez e Ferreira do Zêzere, para escolher os 14 finalistas que iram lutar por um lugar de glória neste Olimpo açucarado.

Chegou, enfim, o dia das decisões. Foram mais de 900 candidaturas, 140 doces escolhidos, programas por todo o País e tudo começou a 7 de Maio. Volvidos quatro meses, e de forma simbólica, as ‘7 Maravilhas doces de Portugal’ seriam anunciadas no dia 7 de Setembro em Montemor-o-Velho. Não poderia existir um programa que melhor espelhasse a portugalidade em todo o seu expoente. Uma mega-emissão de manhã à noite que fez companhia aos poucos idosos que ainda vêem TV no nosso país e a um jovem adulto que preferiu ficar colado no sofá com um bloco de notas em vez de aproveitar um sábado soalheiro de Verão. Com uma grande equipa de apresentadores que se iam revezando ao longo do dia, viu-se um pouco de tudo. Falou o presidente da Câmara algumas vezes, intervieram vereadores e outros representantes municipais, actuaram bandas filarmónicas, grupos musicais peritos em play-back e houve espaço para reportagens, embutidas ao longo da emissão, que mostravam todos os cantos dessa enorme metrópole que é Montemor-o-Velho... 

Não arrisco dizer que foi um dia cheio de animação, mas ao menos tentou-se. Com a montra de doces a servir de pano de fundo, viu-se um grupo de mulheres de Arouca vestidas de freira a dançar ao som de uma cover da música ‘Vira-vira’ dos Mamonas Assassinas e este é o modesto substrato cómico que consegui provar.  À noite, a gala começou com bailados, grupos de miúdos cantores do programa ‘La Banda’, entre outras apresentações... Foi um programa de momentos inesquecíveis, tão inesquecíveis que já nem me recordo. Aproveito para referir que esta Gala Final foi apresentada por José Malato e Catarina Furtado. A meio da emissão, Catarina fez um apelo ao povo, pedindo ajuda para casar José Malato e propondo um brinde ao seu futuro casamento... Do que deu para perceber, a brincadeira não caiu bem e Malato ficou mais encavacado que uma Cavaca de Resende (que foi um dos doces pré-finalistas). Porque, apesar de José Malato ter muitas pretendentes para o casamento, suspeito que iria preferir, quase de certeza, uns Bons Maridos de Ferreira do Zêzere.

Achei particularmente curioso que esta grande gala, que deveria ser um evento de glamour e solenidade, acabou por tomar contornos de um acontecimento popular onde se misturava o doce e o amargo, o campo e a cidade, o guião e o improviso, a seriedade e a palhaçada. Se no palco tínhamos artistas famosos e caras conhecidas da Televisão, na numerosa plateia víamos uma grande misturada de gentes. Pessoas mais mediáticas nas primeiras filas, indivíduos naturais do Baixo Mondego aqui e ali e um bloco central compacto composto por 14 claques, responsáveis por um pagode indiscritível. Recorrendo a uma só frase, esta gala ao ar-livre combinava a encenação televisiva de uma final do ‘The Voice’ com o ambiente de um estádio de futebol em dia de Clássico.

Eu explico. Cada doce trazia uma claque, umas mais carismáticas que outras (destaco pela energia a dos Ovos Moles de Aveiro e pela falta de alento a do Porquinho Doce de Beja). A barulheira justificava-se ainda mais porque cada claque tinha um hino (ou um grito) para promover o respectivo doce. Bem, mas sobre isso nem vou comentar porque escutar essas performances musicais apenas me deu um amargo de boca, ou melhor, de ouvido. Os apresentadores iam interagindo com as claques e pediam que estas mostrassem os seus hinos e coreografias. José Malato lá tentava divertir-se com os gritos tenebrosos destas equipas doceiras. Contudo, por mais que o mediático rosto da RTP abanasse as ancas ao som daquelas cantorias, não conseguia afastar um notório confrangimento em ali estar.

Em praticamente todos os grupos, assistia-se a uma mescla de vozes desafinadas e assíncronas. Tambores, bombos, apitos, sirenes, cornetas e até colunas bluetooth com música – valia tudo para chamar à atenção dos outros espectadores e dos votantes lá em casa. Fiquei embevecido com o mar de cartazes que ostentavam números de telefone, era como que uma mega-tigelada de algarismos esperançosos. Lutava-se por um doce, uma tradição, uma localidade, uma região. Só os mais votados venceriam e fosse pelos gritos, fosse pelos vistosos elementos gráficos que cada claque trazia, aquela gala seria decisiva. Uns ganhariam e outros perderiam, mas todos sairiam desta experiência das 7 Maravilhas de barriga cheia. Calma, não foi bem assim... Infelizmente a plebe que foi assistir ao vivo nem teve direito a uma simples degustação das outras iguarias em concurso. Um programa do povo e para o povo, mas se o povo desejar provar estes doces que vá à pastelaria comprar e se quiser que gaste 0,60€ + IVA a votar na iguaria da sua região. Fazer pouco dos portugueses não é maravilhoso.

Concorde ou não, houve, de facto, sete vencedores e o troféu que os esperava era um fantástico... Bom, o troféu era um prato. Tratava-se de um prato elegante e estilizado, todavia, estava à espera de melhor. Por um lado até me ri com o assunto. Quem quer que tenha tido a ideia de utilizar um prato a servir de troféu em tão nobre competição tem, claramente, sentido de humor. À semelhança de João Manuel Esteves, presidente da Câmara municipal de Arcos de Valdevez que, aquando de ter recebido o prato vencedor, relevou ser bastante engraçado. Aliás, no universo dos autarcas nacionais, ele é um prato. E porque ainda não falei propriamente de doces, presenteio-vos com uma análise de cada um dos doces galardoados, pondo tudo em pratos limpos. Não tive a oportunidade de provar todos os doces vencedores, mas arrisco analisá-los, porque quem arrisca (também) não petisca, na verdade.

Análise individual dos doces vencedores:
1. Charutos dos Arcos
São uma versão mais beata dos Pastéis de Tentúgal, com uma espécie de hóstia a enrolar os fios de ovos. Esta nomeação foi um orgulho, não só para os arcoenses, mas para todos os que visitam esta localidade minhota de Valdevez em quando. Os charutos dos Arcos, segundo a sua tradição, devem ser sempre feitos por mãos femininas. Eu pergunto onde está a igualdade de género? Onde estão as oportunidades para os homens confeiteiros que queiram aprender a fazer este doce? Onde estão as bocas javardas e sexistas, do tipo “o que elas querem é passar o dia inteiro com a mão agarrada ao charuto”? Perguntas que ficam sem resposta.

2. Roscas de Monção
Aqueles que acham que as Roscas de Monção são bebedeiras à moda do Minho, desenganem-se. As roscas de que vos falo são uma espécie de biscoitos secos, banhados com uma calda de açúcar. Ainda assim acho que falta qualquer coisa a esta iguaria para falarmos de uma maravilha doce... Na reportagem da RTP, a apresentadora perguntava à confeiteira, D. Alice, por onde se começava a receita destas roscas. A senhora idosa prontamente respondia: “começa-se por os ovos”. Ah, já sei o que falta. Falta a aglutinação da preposição antiga per e do artigo ou pronome lo, na forma plural. Podem ser um bom presente para as nossas pupilas gustativas, mas estas roscas também têm bastantes buracos gramaticais, “por os” vistos...

3. Folar de Olhão
Temos uma verdadeira lambarice algarvia. Este folar distingue-se pela forte presença de açúcar e manteiga, em múltiplas camadas. É um doce feito em grande escala, com processos algo industrializados, mas mantém a tradição de outros tempos. Não tenho nada a apontar, a não ser o aspecto. De sabor acredito que seja óptimo, mas à primeira vista, este doce bronzeado parece uma pilha de panquecas amarrotadas, cobertas de melaço. Se me dissessem que o folar tinha sido transportado num Tupperware desde Olhão até Montemor-o-Velho e que apanhara muito calor na viagem – eu comeria essa informação. E o dito folar também.

4. Crista de Galo
Chegou de crista levantada, viu, venceu e agora canta de galo. Um doce que classifico como ‘engraçadito’. Já tive a oportunidade de provar estas cristas e achei-as boas. Mais tarde, assisti ao programa que dá assunto a este texto e fiquei a saber que esta receita é rica em banha. Sinto que me venderam a banha da cobra, ou melhor, banha de porco. Tenho um trauma alimentar antigo com banha de porco e tão cedo não volto a ingerir este doce transmontano. Dou os meus parabéns e tudo mais, mas adivinho que se mais gente soubesse que este doce tem muita gordura animal na sua composição, a Crista de Galo não gozaria de tanta popularidade. Agora é tempo para cacarejar de alegria, mas parece-me que dentro em breve o galo vai amansar.

5. Mel Biológico do Parque Natural de Montesinho DOP
Aqui fiquei sem palavras. Tudo bem, eu gosto de mel e acho, até, que é um super alimento. Agora, como é que o mel pôde, sequer, figurar no lote de doces nomeados nesta competição? Mel não é, em si, um produto da criação humana. O Homem pode ser um elemento-chave no processo de produção do mesmo, mas não se trata de nenhuma invenção da doçaria portuguesa – há mel em vários locais do mundo. 
E desde quando é que aquele mel é mais que os outros méis do nosso querido Portugal? Ah, talvez seja pelo facto de este mel ter a Denominação de Origem Protegida. Ui, cuidado com ele! Essa designação servirá de pouco, pois se a vespa asiática chegar em força não haverá mel que resista. A chef Justa Nobre comentava neste programa final das 7 Maravilhas Doces que o mel é algo que se come sem pecado. Discordo. Primeiramente porque os monossacarídeos (glicose e frutose) estão lá na mesma e não é a comer mel que alguém fica uma silhueta pecaminosa. E em segundo lugar porque o pecado foi consumado e a consagração deste produto regional não me pareceu nada Justa.

6. Bolinhol de Vizela
Belo espécime de doçaria portuguesa. Peguem num pão-de-ló levemente humedecido, juntem uma doce cobertura de açúcar a toda a volta – et volià. À semelhança do que acontece em outros casos, o bolinhol tem uma receita secular. Joaquina Ferreira da Silva passou a receita a Albina Ferreira da Silva que a passou a Maria da Conceição da Silva Ferreira que a passou aos seus descendentes que finalmente a passaram a computador, antes que o testemunho se perdesse. Directamente de Caldas de Vizela, chega um pão-de-ló fofo banhado com caldas de açúcar. Já deu para perceber que concordei com a nomeação deste bolo rectangular, cozido lentamente em forno de lenha. A mão do pasteleiro é a unidade de medida e as quantidades são medidas a olho. São estas mãos de Vizela, as mãos que prestam e as mãos que dão a conhecer este bolo mole ao Mundo. O bolinhol é um doce ao qual gostaria de deitar as mãos, confesso. Não sendo possível fazê-lo neste momento, pego nas minhas mãos e aplaudo este produto endógeno do distrito de Braga.

7. Amêndoa Coberta de Moncorvo IGP
Olha outro com denominações pomposas... Indicação Geográfica Protegida. Protegida por quem? Pelos agentes da GNR de Torre de Moncorvo? Não me parece. Eu também tenho zonas no meu corpo que são de indicação geográfica protegida e não ando a anunciar isso aos quatro ventos. Desta região fria chega uma amêndoa de qualidade que é coberta com açúcar. Um processo lento levado a cabo pelas ‘cobrideiras’ que, em recipientes aquecidos de cobre, criam estas amêndoas cobertas de relevo distinto. O segredo poderia estar na massa, mas como não há massa nesta receita, o segredo está nos dedais usados pelas confeiteiras, que dão este aspecto singular às amêndoas cobertas de Moncorvo. Ainda assim, apenas considero este doce ‘ok’. Se não fosse a qualidade do furto seco transmontano, seriam só mais umas amêndoas cobertas. É a minha opinião e continuarei a explicitá-la, amêndoa a quem ‘amêndoer’.

Conforme descrevi acima, não fiquei contente com este rol de vencedores. Não há representatividade geográfica. Existe um convívio das regiões de Trás-os-montes e Alto-Minho, com um intruso do Algarve. Os resultados finais não espelham a riqueza doceira do nosso país, de todo. É escandaloso que os Ovos Moles de Aveiro não façam parte desta lista final, assim como as Brisas do Lis. Lamento especialmente pelo Pastel de Tentúgal (superior aos charutos dos Arcos), mas se houver culpados, somos nós, habitantes do distrito de Coimbra que não nos mobilizámos para votar. Eu não votei porque estava atento a escrutinar o programa, tenho desculpa. Não obstante tudo isto, o facto de a votação ter um custo não contribuiu para um resultado democrático. Cheira-me que houve ali municípios a comprar votos... Coff, coff. Ou então cheira só a fumo... De charutos, talvez. 

Do meu ponto de vista, deveriam ser eleitas 20 maravilhas a nível nacional, uma por distrito. Vejamos, Portugal é um país de doces, e ao escolher apenas 7 Maravilhas, há muitas iguarias que ficam de fora... Já para não falar há que há uns anos foram organizadas as ‘7 Maravilhas Gastronómicas de Portugal’ e delas consta o Pastel de Belém. Em que ficamos? Caríssimo Luís Segadães, sugiro que reveja os critérios destas iniciativas.


Foi uma barrigada de doces, uma barrigada de texto e umas quantas barrigas de Freira que saíram de Montemor-o-Velho de estômago vazio. Acabou tudo com fogo-de-artifício que é sempre a melhor maneira de pôr fim a um evento. E se há coisa que os portugueses gostam é de coisas que rebentem. Desde que não seja a escala de medição da diabetes a rebentar por ingestão excessiva de doces conventuais, claro.




Resumo da Final da Liga Europa 18/19

Para quem não viu a final londrina da Liga Europa, fica aqui um resumo:

A partida começou aborrecida e a primeira parte terminou Azeri. No segundo tempo o jogo ficou mais Giroud, com o avançado francês a inaugurar o marcador. O segundo golo não tardou a aparecer, por intermédio de Pedro Rodriguez Ledesma. A defesa do Arsenal foi lenta a reagir, parecia mesmo uma Ledesma. Não há duas sem três e o terceiro golo resultou de um penalti, após má abordagem do jogador do Arsenal na grande área. Maitland-Niles tentou cortar a bola, mas teve Hazard. Poucos minutos volvidos e o Arsenal reduziu com um grande golo. Estava distraído no momento desse lance e nem Iwobi em condições. Em seguida, Hazard bisou e fez Čech-mate nesta final da UEFA. Ainda houve lances de perigo para o Arsenal, mas infelizmente os erros cometidos foram demasiados e não deu para rebobinar Lacazette deste jogo. O treinador da equipa de Stamdford Bridge sorriu no apito final e mostrou a sua cremalheira. Dava para ver o Sarri que tinha nos dentes.
Foi uma final interessante com o Chelsea a aproveitar da melhor forma as 'Bakuradas' da equipa adversária. Os Gunners ainda lutaram, contudo, demonstraram não ter arsenal suficiente para enfrentar o Chelsea, que deu baile, ao som de Blues. Obrigado a quem leu. Um grande abraço e um Azerbaijão.

Este comboio não pára em Arroios

Nos últimos anos, tenho ido ocasionalmente a Lisboa. Sempre que lá vou, devido à complexidade desta ‘metrópole’, procuro algo que me oriente, a partir de Oriente. Costuma ser esta a minha estação de partida para usar o Metro. Até hoje não tinha nenhuma razão de queixa, tudo correra sobre rodas, bem encarrilado. Até cheguei a completar percursos que implicavam duas trocas de linha em menos de 15 minutos – um serviço ferroviário de grande nível (pensava eu).

Lisboa só poderia ser mesmo a capital deste país de atrasos, que é Portugal. Em Outubro de 2017, já se ouvia na composição: “este comboio não pára em Arroios”. Hoje, acho que ‘este’ e os outros comboios da linha verde, ainda não fazem a outrora habitual pausa neste mirífico destino. Como nunca tinha utilizado muitas vezes o Metro e sendo eu da província (tudo o que não seja Lisboa ou Porto), até achava que o Metro de Lisboa proporcionava um agradável serviço ferroviário. Meus amigos de Lisboa não entendiam como poderia eu gostar de andar de Metro e de até gabar este meio de transporte que, para eles, era sinónimo de constantes peripécias desagradáveis. Para a maioria dos lisboetas, o Metro está pelas estações da amargura e só existem razões de queixa.
— Ah, o pessoal dramatiza a situação actual do Metro porque, no fundo, só gostam de andar de carro próprio – pensava eu, a caminho do Metro.
Pois, saltei para a outra plataforma da opinião pública quando fiquei 57 minutos dentro de um comboio, preso algures na linha verde. Mais precisamente onde? Arroios. Se a vida corre como um rio, os regatos que deram nome a esta zona da capital, simplesmente não correm. Após esta indesejada espera, lá tive eu de correr para outros compromissos.

É certo que a minha prática de andar de metro é reduzida, todavia já consigo perceber algumas coisas que caracterizam esta faceta subterrânea da cidade de Lisboa e, também, do nosso país. Gosto de afirmar que ‘Lisboa é um buffet de pessoas’, pois se vê por lá todo o tipo de gentes. A alusão ao buffet deve-se mais à diversidade étnica e racial dos transeuntes, não é que queira andar aí comer pessoas... Não sei, talvez por ser natural de um sítio onde predominam quase exclusivamente seres caucasianos, vejo algum encanto em comtemplar os utentes deste metro cosmopolita. Uma vez, num daqueles conjuntos de 4 assentos, sentados estavam: uma senhora africana de meia idade; um turista branquelas algures do norte da Europa; uma jovem asiática e um senhor de origem indo-paquistanesa (para não utilizar o termo pejorativo ‘monhé’. Bem, parece que o usei. A sério que foi sem querer, acreditem). Bom, este quadro humano de olhares no vazio, alheios ao cacharolete racial que ali se compunha de forma tão espontânea e casual, mais parecia um daqueles anúncios da United Colors of Benetton. Quis tirar uma foto, mas não foi tarefa fácil. Sempre que tentava, discretamente, apontar a câmara do telemóvel para esta reunião informal de culturas, uma senhora idosa caucasiana, lançava-me olhares reprovadores. Qual seria o seu problema? Será que estava melindrada por não aparecer na foto? Tenho que admitir que não iria fazer grande coisa com aquela fotografia meio desfocada e com fraca iluminação. Certo é que essa senhora não tinha nenhuma razão para implicar comigo já que o assento ao seu lado estava ocupado por sacos da sua pertença. Quando ela olhava para mim, eu olhava ainda mais para ela e cheguei mesmo a pigarrear, tentando chamá-la à razão. Ela não entendeu a dica. Após uma paragem, entra outra senhora com outros tantos sacos e encaminha-se logo para a nossa zona, que era das poucas onde se avistavam lugares. As duas senhoras com sacos cruzaram olhares e eu entrecruzei-os para ver no que aquilo dava. Alguém tinha de ceder. E assim foi, de forma pacífica. Os sacos de ambas seguiram o resto da viagem no chão para que a recém-chegada senhora pudesse sentar o seu traseiro até ao próximo apeadeiro.

Sai-se um comboio, entra-se noutro e as histórias multiplicam-se como as mãos que se tentam segurar em varão firme. Desde o senhor que toca acordeão com um cachorro amestrado no ombro, ao sujeito cego que insiste em mendigar no metro mesmo com o risco de cair para a linha, passando pelo ‘carocho’ velhaco que inicia uma conversa constrangedora com uma rapariga ‘queque’... Passa-se lá tanta coisa. No mesmo dia, seguia num metro bastante devoluto quando se senta mesmo à minha frente um sujeito de aspecto incomum. Poderia ser um sem-abrigo, mas não se apresentava assim tão andrajoso. Poderia ser um cidadão dito ‘normal’, mas já havia ali um certo grau de indigência. O que é que isto têm de especial? –perguntais vós – bom, não era tanto o sujeito em si que me chamou à atenção, mas mais o que ele fazia. Como poderão ver na ilustração associada a este texto, este senhor trazia ao colo um belo exemplar canino, vestido com um mini-sobretudo em padrão verde-tropa. Contudo, o momento chave foi quando este indivíduo, ao embalar o canídeo de estimação, tira um dos seus auriculares verde-alface e o coloca dentro do ouvido da cadela por breves segundos, perguntando-lhe baixinho:
— Curtes esta?
Tão rápido como entrou na composição, este homem guedelhudo de óculos-de-sol partiu para novas aventuras, deixando muito por responder. De onde viera aquele boné? Como se chamava a cadelinha? Que música seria aquela que ouviam? Só o Metro de Lisboa saberá.

Saí eu também. No corrupio da mudança de linha, pude reparar em algo curioso, enquanto atravessava a estação da Alameda a passo rápido. Apesar da pressa para apanhar outro metro, não consegui deixar de reparar num vistoso anúncio, onde se lia:
“1.5€ a pizza inteira”

Vamos por fatias. Isto até parecia um bom partido, mas quando me acerquei da montra percebi que as pizzas eram relativamente pequenas. Ora, o adjectivo ‘inteira’, neste caso, serve só para aldrabar, fazendo-nos querer que se trata de uma grande pizza e que a vamos poder comer na totalidade. Vai-se a ver e até acaba por ser uma mensagem sem grande nexo. Pensem comigo, quando compramos uma pizza, seja ela grande ou pequena, esperamos que ela venha inteira sem mordidelas na côdea ou uma fatia em falta, verdade? Enfim. Acrescento só que o nome do estabelecimento era ‘Sabores do Metro’, passo a publicidade. A meu ver, este é um nome infeliz. Não é viável descobrir o ‘sabor do metro’, na medida em que isso implicaria andar aí a lamber corrimãos ou a snifar os estofos dos assentos, tudo coisas que não quero fazer. Na impossibilidade de saber qual é o verdadeiro sabor do metro, o nome deste café remete-me para uma outra dimensão sensorial que eu conheço e associo a esta rede de transportes - o olfacto. O cheiro a 'falta de banho', o chulé no Verão e a intersecção de odores de axilas são alguns exemplos. Por isso, não me deixei seduzir nem pelo placard publicitário nem pelo nome do conceito. Ainda assim, fica um sabor, um gosto no ar. O gosto de ser inspirado pela vida e pela bizarria que o Metro de Lisboa nos tem para oferecer.