Lixívia nos esgotos – um caso positivo de estupidez

Sem nenhum proveito, vagueava pelo Facebook. Num scroll descomprometido, deparei-me com esta imagem de um aviso relacionado com o já-não-tão-novo coronavírus (ver anexo). Através de uma rápida leitura, percebi que não se tratava de um pedaço de informação factual, mas sim de um excelente exemplar de intrujice. E como é belo ver onde chega a inventividade destes conteúdos perniciosos. Examinarei este panfleto digital, em todo o seu esplendor de parvoeira. 

“Um funcionário da Endesa...”. Começamos bem. O agente da notícia é descrito de forma clara, quase tão clara como a nódoa que a lixívia deixa nos tecidos. Se há pessoa em quem eu confio mesmo é num funcionário anónimo da Endesa – mais do que nos meus pais e amigos chegados. Apraz-me questionar: o que faz este funcionário sem nome e sem artigos publicados em revistas científicas? Olhem, ele aconselha as pessoas a despejarem 1dl (100 ml, trocando por miúdos) pelo ralo das canalizações lá de casa. E não há aqui lugar a discriminação, tanto se deve verter lixívia pelo ralo da banheira, como pelo lava-louças ou pela sanita. Qualquer buraco serve! Bom, em seguida temos mais uma dose concentrada de ‘credibilidade’. Isto porque, o nosso amigo funcionário da Endesa, baseia a sua recomendação, numa informação veiculada pelas autoridades holandesas... Que ‘autoridades’ são estas? Autoridades de saúde? Autoridades de segurança? Autoridades políticas? Não sabemos. Mais uma vez somos a convidados a confiar em quem não quis desmascarar a sua identidade. E agora, mais do que nunca, é importante não tirarmos as máscaras. Segundo as descobertas levadas a cabo por ‘eles’ (e aqui vamos deduzir que este ‘eles’ se refere a um grupo de pessoas pertencentes às tais autoridades nos Países Baixos), parece que o covid-19 anda super-activo nos esgotos. Além disso, parece que as pessoas confinadas nos seus lares, estão a ser contaminadas através do uso doméstico de água. Fiquei convencido com esta tese. Se eu fosse um vírus contagioso e relativamente letal, o lugar onde mais gostaria de estar era num esgoto holandês, organizando pool parties em águas residuais, repletas de dejectos – que sonho! Ah, e não sei se repararam, mas há aqui outro dado suspeito: O que é a Endesa (empresa espanhola que actua na distribuição de gás natural e energia eléctrica) tem a ver com a alegada propagação do SARS-CoV-2 em esgotos holandeses? Se supostamente as pessoas têm apanhado covid em casa (utilizando a água do chuveiro e torneiras), por que raio é que se recomenda pôr lixívia nas zonas de escoamento dessa mesma água em vez de resolvermos o problema na origem? Não era melhor ferver a água da torneira com um toque de lixívia e beber esse ‘cházinho’ para não nos contaminarmos? Perguntas que ficam a multiplicar-se por aí.

 

O texto termina com o típico apelo à disseminação da referida mensagem. Neste parâmetro, poderemos ficar descansados. Este tipo de notícias enganosas, propala-se de forma ainda mais rápida no Facebook do que o coronavírus entre nós. Em jeito de nota de final, acrescenta-se ainda que, não tem de ser só lixívia. “Todos os desinfectantes fortes e corrosivos, podem desempenhar o mesmo papel (...)”. Os ambientalistas irão adorar. E quem trabalha nas estações de tratamento de águas residuais também. Já para não falar que deitar 10 dl de desinfectante aqui, 10 dl acolá, num instante fico sem lixívia em casa. Proteger-me a mim e aos outros do covid-19 é importante, mas só alinho nisto se não tiver de gastar fortunas em soluções aquosas à base de hipoclorito de sódio.

 

Para tapar o ralo de fundo desta análise, eu sugeria ao autor desta aldrabice que espalhasse lixívia nas suas roupas, para ver o que aconteceria. Ou então poderia mesmo ingeri-la, como sugeriu Donald Trump. Dessa forma, não só garantia que não apanhava covid como teríamos menos uma pessoa a ludibriar idosos incautos no Facebook. Protejam-se do covid e deste tipo de fake news. Abraços branqueadores.